"Estamos juntos"

"Adormecer a luz e senti-lo acordar. Cruel, de tão gentil e vagaroso. Não me posso queixar, fui eu quem lhe ensinou o gozo de gozar antes do gozo. Encabritar-se nas minhas costas sem resposta, prefiro outras embaixadas. As mãos; as mãos dele – suaves como a pele que lhes ofereço, cuidada a pensar nestes momentos. No escuro é ainda mais fácil imaginar-lhe os dedos longos, amei-os desde o primeiro ajeitar de cabelos. Tantos anos volvidos, continuam a desenhar mapas no meu corpo, que se vira para acolher o seu. E conseguem o milagre de sobreviver ao estreito abraço, onde um alfinete sufocaria, elas continuam, marotas, a semear fogueiras. Orlam-me as coxas, arrepiadas e clamando por vingança. Afogo-lhe dedos que subirão ao longo do ventre liso, busto arqueado e montes rijos, até à boca, ansiosa pelo sabor do meu prazer. Secá-los um por um, entreabrir os lábios, senti-los fugir. Partir rumo ao impossível esgueirar – às dele juntar as minhas. Tocarmo-nos a quatro mãos. Viajar em sentido contrário, gosto de lhe partir do peito e esquivar-me à impaciência do mastro que espera velas e brisa para abandonar o porto. Não há pressa, a maré cheia é garantida. Chegar. Manter um diálogo mudo e esquivo entre a rijeza dele e o borboletear da minha língua, cuidado!, não despertar o vulcão… Cobri-lo eu. Todo. Porque do meu corpo minúsculo se desprendem as asas do desejo, que o rodeiam em voo picado. Erguer-me cavalgando-o. E vê-lo sorrir de mansinho, olhos fechados, as ancas em busca do meu ritmo, numa volúpia preguiçosa e abandonada, que os homens desejam muito e receiam ainda mais, ele também era assim. A explosão; os gemidos; adoro alimentar o meu prazer no seu. Um de regresso, outro a levantar voo, é chegada a minha vez. O espasmo repetido, febril, ausente. O peito dele, escuto o coração, que passa da desfilada ao pé ante pé. O silêncio. Estamos. Bem. Saciados, mas com a selvagem certeza desta fome não ter fim."




Este texto já tem uns anitos mas continua a provocar as mesmas sensações que outrora...
O autor para além de reconhecido psi, é um autor de eleição para mim... Sabe como ninguém verbalizar os sentimentos do mais comum dos mortais e transformá-los em algo muito acima do que estamos habituados... eu acho... será??

2 reacções:

Toky disse...

"Conheço" o Júlio Machado a algum tempo e desde o primeiro instante gostei da forma com ele brinca com as palavras :P, alias foi isso que me chamou a atenção

Para uma pessoa como eu que nunca foi dado a palavras, tenho usado o blog dele como inspiração, gosto da forma como ele partilha as pekenas coisas.....LOOL

Alma e Pele disse...

Bota partilhar nisto.. :p
Muito bom, sem duvida.